“Na verdade, eu estava cercado por pessoas disfuncionais e, além dos nossos empresários, era eu quem administrava os negócios. Todos os outros eram uns desastres – viviam em seus próprios mundos. Viajávamos de van, e alguém sempre queria parar a cada quinze minutos. Então eu tinha de dizer a eles que só podíamos parar a cada duas horas. Do contrário, nunca teríamos chegado a show nenhum” (pg. 11).
Rápido, cru e direto como uma música do Ramones. Talvez seja essa a melhor definição que se pode fazer sobre Commando, a autobiografia de Johnny Ramone (1948 – 2004), guitarrista e um dos fundadores de uma das bandas mais influentes do rock e ícone do movimento punk. O livro é resultado de uma série de entrevistas deixadas por Johnny, editadas pelo produtor e empresário, John Cafiero, auxiliado pelo músico Steve Miller e pelo jornalista Henry Rollins, com autorização de Linda Ramone, viúva e herdeira de Johnny.
Filho único de uma família de origem irlandesa, seu nome era John Cummings, descobriu o rock aos sete anos, através do “cara que trocava os discos do jukebox” no bar de seus pais. Embora a paixão pelo ritmo e pelo som que passava a dominar o mundo da música fosse instantânea, Johnny demorou a aceitar a ideia de seguir o caminho da música. Ainda no colégio, ao lado do amigo Tommy Ederlyi, mais tarde Ramone, e outros colegas, formaram uma banda, Tangerine Puppets, mas não era nada sério, apenas uma curtição entre amigos.
Johnny era o cara durão que gostava de bater nos garotos e até nos pais deles quando esses vinham tomar satisfação. Atirava tijolos em janelas e vasos do alto de prédios só para ver as pessoas se assustarem, assaltava velhinhas indefesas e, claro, era um péssimo aluno. Depois de deixar a escola, ficava vagando pelo bairro até conseguir seu primeiro emprego na construção civil – peão de obra ajudava a instalar tubulações. À noite, sozinho ou acompanhado pelos colegas do trabalho, costumava se divertir bebendo uma cerveja ou indo a todos os shows de rock, desde as grandes bandas até aos festivais de grupos iniciantes, que passavam por Nova York.
Aos 23 anos casou-se com sua primeira esposa, Rosana, – casaria mais duas vezes com Cynthia e Linda, ex-namorada de Joey, com quem viveu 21 anos – pois acreditava que “aquele seria o seu quinhão na vida” (pg.32). Trabalhar duro na construção, voltar para casa, descansar e assistir tevê ao lado da esposa enquanto tomava uma cerveja. De fato, não parecem os planos de alguém que pouco tempo depois se transformaria no guitarrista de um dos ícones do rock, mas era assim que Johnny pensava em 1972.
Em 1974, após ser demitido, decide finalmente, por insistência do amigo Tommy, formar uma banda. Com 50 dólares do dinheiro recebido pela indenização compraria uma guitarra e definiria que seria o guitarrista, embora não fosse um expert no instrumento; Joey (Jefrey Hyman), um colega de escola e vizinho com quem nunca se dera muito bem, foi escalado para a bateria, mas, como não demonstrava muita aptidão, acabou indo para os vocais no lugar de Dee Dee (Douglas Colvin) – Johnny o conhecera na época da construção onde Dee Dee trabalhava na expedição – que também não fora muito bem nos ensaios e passou para o baixo. Na bateria, acabou ficando Tommy, que, na verdade, pretendia ser uma espécie de empresário da banda, conseguindo alguns lugares para eles tocarem. O nome Ramones foi escolhido por Dee Dee e talvez seja a única informação verídica sobre a banda que praticamente todos sabem: era o nome falso com o qual Paul McCartney costumava se registrar em hotéis, Paul Ramon. Em dois dias, e ao custo de 6,5 mil dólares, uma ninharia até para a época, a banda gravou seu primeiro álbum, Ramones, lançado em abril de 1976.
Algumas particularidades reveladas por Johnny, como sua postura meio que de rivalidade em relação às outras bandas, principalmente às punks, demonstra que ele nunca procurou agradar ninguém, o que lhe valeu a fama de antipático e mal-humorado, para dizer o mínimo. Johnny afirma que sua postura defensiva em relação às pessoas do meio musical apenas diminuiu no final da carreira, já perto da aposentadoria, quando conheceu vários músicos da nova geração, que se diziam fãs do Ramones e de seu trabalho – como Eddie Vedder, (Pearl Jam), John Frusciante (Red Hot Chili Peppers), Chris Cornell (Soundgarden) e Kirk Hammet (Metallica) entre outros – e que acabaram tornando-se seus amigos.
O livro tem alguns momentos engraçados – aliás, o adjetivo que Johnny mais usava em relação às pessoas com as quais simpatizava – como sua resposta a um jornalista dizendo que Reagan, apesar de ser, em sua opinião, o melhor presidente dos Estados Unidos, não era suficientemente conservador ou quando os Ramones fizeram um show beneficente para o Departamento de Polícia de Nova York, para que os policiais pudessem comprar coletes a prova de balas, já que isso ficava a cargo de cada policial, e houve um protesto de um grupo de “comunas”! Republicano convicto e ultraconservador, Johnny gostava de andar a pé por Nova York e, quando algum policial o reconhecia, e lhe oferecia carona, ele aceitava sem problema – difícil imaginar algo parecido para algum outro ídolo do rock, como, por exemplo, Keith Richards.
Tinha poucos vícios – beber duas cervejas americanas depois de cada show e assistir a qualquer jogo de beisebol, esporte que amou desde a infância, na tevê ou in loco -, duas obsessões – idolatrava Elvis e construiu uma sala dedicada ao ídolo dentro de casa, onde guardava tudo que se possa imaginar sobre o Rei do Rock; poupar dinheiro e atingir a cifra de US$ 1 milhão para poder usufruir de uma aposentadoria decente e talvez dirigir um filme de terror, outra de suas paixões – detestava junkies e, mais do que tudo, odiava estar fora dos Estados Unidos, qualquer outro lugar sempre lhe pareceu “uma bosta”.
No último capítulo o músico fala um pouco sobre sua doença, um câncer na próstata, diagnosticado em 1998, dois anos depois do último show da banda, e de como foi o seu tratamento, mesmo sabendo que a batalha seria perdida, ele não se lamenta muito por isso, mostrando que nunca deixaria de ser o cara durão de sempre.
Ao final do livro fica a certeza que Johnny Ramone era o cara que fazia os Ramones andar nos trilhos. Sem a sua presença e seu olhar crítico para os detalhes, desde o figurino usado pela banda, a incorporação do sobrenome por todos os membros do grupo, até o som que deveriam tocar ou a forma como Joey deveria se posicionar no palco para cantar, junto ao microfone de pedestal, praticamente imóvel, vemos que sempre foi ele quem esteve no comando e suas preocupações não iam muito além de querer dar o melhor de si, fazer o seu som e deixar os fãs satisfeitos – e, no livro, ele deixa claro o quanto é grato aos fãs.
A edição bem cuidada traz ainda uma série de fotos da coleção particular do músico, além de uma lista dos 10+ de suas preferências – que varia dos 10 melhores jogadores de beisebol até os 10 melhores livros de referência sobre cinema – e uma análise sobre cada álbum da banda.
Para os fãs, Commando é um livro para se ler em alto e bom som.
Trecho:
“Se os Ramones nunca tivessem existido e aparecessem agora, ainda iríamos pirar as pessoas. Ninguém tomou o lugar dos Ramones. Mesmo quando bandas como Pearl Jam e Soundgarden estouraram, nunca notei falta de apoio para nós, ou que nossos fãs estivessem se dispersando.
Olhando isso agora, talvez um pouco menos conectado porque estou doente e o tempo para mim meio que encurtou, a parte mais importante do legado dos Ramones é que, quando subíamos no palco, éramos os melhores por lá. Ninguém chegou perto.” (pg. 135)
P.S: Resenha publicada pela primeira vez no blog O Espanador em 14 de junho de 2013. Segue o link: http://espanadores.blogspot.com.br/2013/06/post-do-colaborador-commando.html#more